sábado, 11 de setembro de 2010

Notas para um possível Currículo de Boteco (Parte IIII)

Você pode descobrir mais sobre uma pessoa em uma hora de jogatina do que em um ano de conversa.

Não sei exatamente o que Platão estava querendo dizer quando pronunciou esta frase (brincadeira no lugar de jogatina). Mas sempre é bom que algum cânone da filosofia ocidental embase nossas propostas, por mais estranhas que elas possam parecer. Como o esperado, agora é o momento da jogatina. A alternância entre música e jogatina cria um campo um pouco mais completo do que viria a ser o ensino de História do Currículo de Boteco.

A estratégia é a mesma da questão musical: os jogos vão estar ligados a um conceito central que justifique o seu uso como material em sala de aula. Neste sentido podemos intercalar o uso das músicas com a jogatina. Alguns conceitos serão trabalhados somente pelos jogos e podem estar encadeados com aqueles que foram ensinados a partir das músicas.

Passemos diretamente a algumas possibilidades. O clássico jogo Banco Imobiliário será usado como ponto de partida para o ensino do complicado conceito de liberalismo. Nas regras do manual já temos uma definição bem clara: “o objetivo é monopolizar o mercado imobiliário”. Cada jogador inicia com uma quantidade de dinheiro (o que já pode ser um primeiro ponto de problematização: todos os cidadãos partem da mesma quantia de capital para poder investir neste maravilhoso mundo da liberdade de mercado?), movem sua peças (a partir de dados, onde está a proclamada racionalidade do mercado?) e, dependendo onde caem, podem comprar os terrenos (alguns mais valorizados que os outros, porque?). Existem outros pormenores no jogo que podem ser explorados, como pagamento de impostos, empréstimos, a possibilidade de construir casas e hotéis (os últimos mais valorizados que os primeiros, porque?) e as próprias negociações entre os participantes (“por baixo dos panos” mesmo).

Mas podemos extrapolar ainda mais esta promissora ferramenta (já que provavelmente vamos “pirateá-lo” conforme será explicado adiante). Podemos colocar algumas regras a mais, como a não possibilidade de comprar tantos terrenos em tantas jogadas. Isto significaria o que? O estado-interventor tão temido pelos neoliberais? Sim, também pode ser o chamado “Estado de bem-estar social” da social-democracia. Destinar tais números de casas construídas para famílias de baixa renda? O “populismo” da América Latina (não populismo no sentido pejorativo atual, mas no científico). Quem sabe ir mais longe? Subvertê-lo totalmente e criar o jogo da reforma agrária, cujo objetivo é alcançar uma plena redistribuição dos bens materiais. Divagações, mas um sonho para qualquer historiador-educador marxista.

Agora, abandonemos a “paz e liberdade” que o liberalismo tanto proclama e partamos para a guerra. Obviamente, outro jogo clássico, o War, nos serve muito bem para trabalhar os conceitos de imperialismo e neocolonialismo. No War, jogado em um tabuleiro que representa o planeta terra politicamente, cada participante com seus respectivos exércitos recebe uma carta com seu objetivo: conquistar tal coisa, etc... Para os nossos propósitos, podemos manipular o jogo de acordo com os contextos históricos do fim do século XIX e início do XX (se quisermos, podemos transportar o contexto para as guerras antigas e medievais, desde que respeitando as devidas concepções de cada guerra). Se a ocupação efetiva do território não é mais necessária hoje, na época da conhecida “partilha do mundo” pelas potências ocidentais (que mais tarde desemboca na 1ª guerra mundial) era vital. Por isto a importância do exército e seu papel na sociedade, o que também pode ser discutido como tema secundário. Voltando a questão dos objetivos, eles podem ser descritos de acordo com as intenções das potências européias na época. Para a Inglaterra, por exemplo, grande exportadora de maquinarias de ferro e aço, os locais que contêm estas jazidas são necessários. E assim, o grupo que representa a Inglaterra terá este objetivo.

Outro aspecto interessante que pode constar no nosso War é que as potências nunca atacam umas as outras. Por isto, os movimentos de conquistas se darão em outras áreas que não elas, o que pode ocorrer é um ataque indireto através de uma colônia. Por isto, é importante acrescentar também o fator de propaganda feito pelas grandes potências no sentido de levar a civilização a outros povos. Um importante material para isto são as revistinhas em quadrinhos do Tin-tin, entre outros. Aliás falando em povos atrasados, podemos criar um grande paralelo entre estas guerras de conquista das potências ocidentais e as guerras dos Tupinambás que habitavam a costa brasileira no século XVI e que têm uma farta documentação a respeito. A comparação entre os diferentes sentidos das guerras nas diferentes sociedades é muito rica e dissolve as naturalizações dadas a estes tipos de processos.

Como estamos falando de uma possibilidade de Currículo de Boteco, não poderíamos esquecer das cartas. O jogo já muito antigo conhecido por alguns como Pife pode muito bem servir para o ensino de algum conteúdo de uma maneira mais tradicional. O Pife consiste em cada jogador receber nove cartas, o primeiro compra e deve descartar uma que vai para o próximo, se o servir ele pega esta carta que foi descartada, se não pode comprar e assim o jogo segue. No nosso caso, o mais interessante é formar duplas de cartas. Duplas que irão compor um par de perguntas e respostas que devem ser encaixadas depois de embaralhadas e jogadas dentro da mesma lógica do Pife. Assim, um baralho de 32 cartas irá conter 16 cartas-pergunta e 16 cartas-resposta. Os alunos podem consultar materiais como textos para poder encontrar as perguntas das respostas ou as respostas das perguntas. Não é, como podemos perceber, uma atividade muito problematizadora, mas pode servir como revisão para um prova, vestibular, uma atividade para um conteúdo considerado vital mas que é chatíssimo, etc...

Vemos então, através destes três exemplos, como a jogatina é vital para o ensino de História do Currículo de Boteco. Uma das coisas que foram muito citadas, mas não explicadas, são as adaptações necessárias ao que o currículo exige. Isto está previsto através de velha metodologia da cartolina-cola-tesoura-canetinha. Sim, estes jogos não serão usados nas suas versões originais, que por sinal são caríssimas e também exigiriam uma intervenção desta mesma metodologia. Por isso, como estes jogos são de cartas, tabuleiros e outras peças que podem ser improvisadas; optamos por reproduzi-los de acordo com as nossas necessidades e possibilidades.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Resumo

Mais uma perspectiva. Uma soma que não se comprometa necessariamente com um contra ou a favor. Talvez não organizar a partir do concreto que é mediado pelo abstrato e volta a um concreto organizado (não estaria ele então pensado de antemão?). Talvez pensar a partir de onde se está imerso, surpreendente, deixar-se aberto (o frio na barriga antes de dar aula, encontrar a amada). Talvez o aprender anterior ao ensinar. Talvez deixar o fora criar um espaço aqui dentro depois de entrar, abrir a geladeira e colocar os pés no sofá. E talvez só depois perguntar: “quem você é?” E talvez receber a resposta: “vamos juntos inventar?”