23 de abril de 2008.
Não quis apelar para livros didáticos, não quis recorrer a materiais tradicionais de cursinhos. Procurei uma maneira mais aprofundada de fazer um “recolhimento de informações prévio” daquilo que buscava apreender. Encontrei livros na biblioteca da universidade, afinal, livros de biblioteca de uma universidade são de respeito...Pesquisa feita, idéia geral daquilo que eu imaginava que deveria ser apreendido pelos alunos bem definida, pormenores selecionados, tempo cronometrado, possíveis dúvidas espinhosas previstas. Resumo com aquilo que deveria ir para quadro na mão fui até a Restinga, uma hora e vinte de viagem, tempo para revisar, até mesmo para memorizar. Depois de uma apresentação muito feliz a primeira aula tem que ser ótima, tem que ser melhor que o ano passado.
“Boa noite pessoal! Sejam todos bem-vindos!” Um pouco de ansiosidade, como eu começo? Ah! A chamada, um refúgio muito a calhar. Posso tentar já memorizar o nome deles. Feito o fulano (a)!-Aqui! e vamos lá então. O que eu tinha pensado para iniciar? Ah sim. Aquela questão de partida. “Pessoal, o que é na opinião de vocês o trabalho?” Silêncio que me fez o centro de sua atenção neste momento. O que houve? OK, eu sabia que isso não é diretamente alguma coisa útil para o vestibular, mas pode suscitar um ponto de partida. Vamos pessoal, se mostrem para que nós possamos dialogar. Muito genérico, meio vazio, quem sabe eu deva dar este impulso. Mas bem, será que eu tenho o direito de direcionar a visão deles para alguma coisa desta forma? Mas quer saber? Isso não é doutrinar, não é direcionar, educação me parece que implica também em posicionamento, afinal de contas eu também tenho que me mostrar, sou um sujeito que está em uma posição de assumir responsabilidades por aquilo que eu estou fazendo nesta sala de aula. E lá foi: blá...blá...blá...
Tentei não exagerar, talvez tenha falado um pouco demais, mas bem, de certa forma deu certo. Alguns balançaram a cabeça em sinal de uma suposta concordância, outros interviram na forma de fala, outros não estavam nem aí. Bom, podemos tentar agora entender o tal do conteúdo. Ia colocar algumas coisas no quadro e olhei para o resumo, para o giz, para o quadro. Droga, acho que tem muita coisa aqui, vou ter que diminuir. Não quero passar a aula inteira escrevendo nesse quadro e deixar minha garganta seca de giz. Escrevi alguns conceitos, a cada vez que movia o giz e riscava a lousa percebia um movimento cadenciado, meio militar. Todos copiando. Ops, uma pergunta: - Psôr, o que ta escrito ali? - Ali onde? - Ali embaixo da servidão coletiva...
Discussão no meio da aula. Fomos longe, bem longe. Estava com uma sensação boa, mas de repente: e o conteúdo? O vestibular! Não me preocupei na hora, mas olhei para o relógio, mais da metade da aula se passara. Olho no resumo. Por que raios fui colocar tanta coisa nesse resumo? “Pessoal! Vamos voltar aqui para o processo, olhem aqui como funcionou a escravidão...”. Mais alguns minutos de exposição, silêncio e uma atenção meio sonolenta por parte dos meus companheiros. Mas o que será que está se passando na cabeça dessa gente? “Pessoal! Vocês estão entendendo?” Alguns tímidos movimentos de afirmação com a cabeça. Não me convenceram.”Pessoal! Vocês podem falar, eu não tenho uma bola de cristal e muito menos sei ler mentes.” Constrangimento na sala, uns olham para os outros e surge um discreto “é que nós nunca tínhamos ouvido falar disto antes.”
Bom, nunca ter ouvido falar disto antes não é a mesma coisa que não ter entendido nada. Tinha aplicado uma semana antes um trabalho escrito e julguei os resultados relativamente bem positivos. Talvez devesse ter prestado mais atenção nos conhecimentos prévios que eles tinham a partir de uma outra estratégia. Pensamentos malignos se passaram pela minha mente, vou aplicar uma avaliação agora, quero ver se vocês não estão me enganando. Mas o que é isso? Não é essa a idéia de educação popular. Pensei no Paulo Freire, com sua barba, seu óculos e suas palavra que falam de amor (eu sempre gostei disto, um texto usado na academia que fala de amor). O que ele diria se estivesse vendo isto agora? Vou confiar neles, avaliação deve ser feita para um acompanhamento, para que possamos realmente perceber se eles estão aprendendo, não para satisfazer meu sadismo.
Estas pessoas têm potencial, tem vontade própria, tem o direito de achar essa aula chata e não participarem. Se elas não participarem onde está o problema? Comigo? Com eles? Com o maldito vestibular? Com o ensino precário? Com as relações de produção? Estou preocupado em dar uma aula decente e que eles realmente aprendam alguma coisa, assim como eu estou aprendendo muito com eles. Estou me baseando nisso, tentar conversar no mínimo de tempo que temos e confiar neles (pelo menos até conseguir pensar em uma melhor forma de avaliação, com a cabeça fria).
Enfim, aula terminada, meu casaco cheio de giz e conteúdo não vencido. Espero que eles tenham levado alguma coisa dali, do oikos grego, das discussões, dos momentos de indiferença, das risadas que demos, da minha não capacidade de falar e escrever no quadro ao mesmo tempo. Objetivo não completamente alcançado? Talvez sim, mas os momentos em que a aula fluiu e foi tomando um ritmo próprio, apesar da fuga dos conteúdos, me fizeram pensar que estes espaços devem ser proporcionados em qualquer tipo de aula e que, em uma hora e meia, a maneira como se da a aprendizagem passa por processo um pouco fragmentado com idas e vindas – atenção e dispersão. Dispersão esta que pode estar ligada a uma questão individual no meio da aula. Seria utópico (ou arrogância da minha parte) pensar em uma reflexão que surgiu através da aula? Isto seria aprendizagem para a vida, e não é este um dos objetivos da educação popular? Se por acaso não for nada disto, me consolo com o que disse Pierre Clastres: “Há destinos piores!”. E vamos pensar em outras maneiras.
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