Ele está sentado em frente a um sujeito ainda mais feio do que ele. A mão em que segura o cigarro, entre seus dedos amarelados de nicotina, procura, sem o auxílio dos olhos, o cinzeiro já abarrotado por bitucas. Quando o encontra, a cinza acaba se espalhando pelas bordas, “droga”, pensou, “não precisava ter me preocupado com a limpeza, já que esta espelunca não tem nenhum garçom que troque esse maldito cinzeiro e muito menos deve ter alguém que varra todas essas cinzas acumuladas por gerações de bebuns, jogadores e desajustados que passaram por aqui”. Decide deixar o cigarro na boca mesmo, pois agora precisa da mão para alcançar o copo. A outra mão, à esquerda, está permanentemente segurando as cartas que definem se ele irá sair dali alguns reais mais pobre ou mais rico. Agora, a sua delicada operação, para quem já enfileirou mais copos goela abaixo do que um policial veterano revistou negros em toda sua carreira, chegou a um dilema. Ou tenta novamente colocar o cigarro naquele cinzeiro em que o equilíbrio depende de um calculo minucioso e bebe sua cerveja sem tirar os olhos do cinzeiro. Isto fará, consequentemente, com que tire os olhos das cartas e do sujeito mais feio que ele. Ou tenta beber com o cigarro no canto da boca, o que evitaria a difícil tarefa do cinzeiro, o descuido das cartas e do sujeito mais feio que ele que poderiam ser fatais, mas que - ao mesmo tempo - poderia acarretar em uma queimadura e a queda do cigarro de sua boca no seu colo ou, pior, dentro do copo. Opta então, por sabe-se lá qual argumentação, em largar as cartas em cima da mesa, tirar o cigarro da boca com a mesma mão e beber com a mão direita. No meio tempo em que faz isto o sujeito mais feio que ele bate. “Um real a menos no meu bolso”, pensa. O descuido é sempre um dos piores problemas nesta sociedade capitalista, assim como a direita, nem que seja a mão.
“Que tipo de bar é este em que a televisão está ligada ao invés da música? Coloquem qualquer música! Pode ser um Bruno e Marrone mesmo! Os bares da literatura não eram assim!” Talvez esteja lendo de mais, ou assistindo televisão de menos. Enfim, ouviu falar que no sul dos Estados Unidos, em uma época passada, existiam cartazes que diziam: “Proibido discutir política e religião!” “Por que será que existia esta proibição tão severa?” Não que ele achasse os Estados Unidos um país onde gostaria de morar ou um exemplo de cidadania que fazia com que as pessoas se matassem por causa de tais assuntos. Só achou curioso. Lembrou da escola. Na verdade não lembrou, pois tentou se transportar para suas aulas de História ou qualquer disciplina onde pudesse discutir tais coisas, não conseguia se recordar de nada.
“Maldição!” Pensou. “Aos meus 39 anos tenho sérios problemas com álcool, jogo e relações sociais. Estou ficando cansado dessa vida de Boteco!” Não entende muito bem porque quando se sentia tão frustrado e derrotado lembrava da escola. Talvez por causa deste discurso salvacionista em que sempre envolviam a educação: “Com educação teremos tudo! Mais cidadania, mais saúde,mais distribuição de renda...” Este é um discurso tão comum que chegou a acreditar nele. Ele estudou até o fim, se formou, tudo direitinho. Ás vezes esquece em que trabalha, mas isto não vem ao caso agora. Hoje, a sua preocupação com cidadania estava se resumindo a isto: dilemas entre as cartas, o copo, o cigarro, a possível vitória do sujeito mais feio que ele, a injustiça da TV ligada ao invés da música. Cidadania de Boteco. A sua saúde esta exatamente dentro dos padrões dos demais ao seu redor e do estilo de vida que leva. Saúde de Boteco. O seu dinheiro transita entre o que recebe no seu trabalho miserável, o que paga para o dono do bar tão pobre quanto ele e aos outros jogadores como o sujeito mais feio que ele. Distribuição de renda de Boteco.
Mas, no fim destas contas, não achava sua vida totalmente ruim. A não ser que estivesse preso àqueles modelos daquela maldita TV que estava ligada ao invés da música. Muitas coisas o orgulhavam, como uma sensação de estar por fora, de se sentir vivo o suficiente para criticar todas aquelas pessoas que tinham que sustentar sua posição de sucesso na sociedade, mesmo que, às vezes, isto para ele custasse uma amargura comparável a de Jesus Cristo. Isto trouxe para ele alguns pensamentos: “Será que estou destinado a me sacrificar pela humanidade de tanto beber, fumar e jogar?” Certamente não, deu um riso solitário, como quase todos. “Mas, e se for a partir da educação esta tarefa de salvar o mundo? Como todos estes discursos reivindicam?” Certamente não acreditava nisto também, mas a idéia lhe pareceu divertida, pensar em uma educação a partir do que esta vivendo agora, nesse submundo, nesta, como disse Bukowski, “civilização que nunca viu em nenhum dos livros escolares”. Se aqueles políticos profissionais podem, e, se sabemos que estas formas de ver o mundo sempre são parciais e nunca universais, por que um alguém como ele também não pode? Pelo menos tentar. A começar, claro, pela música que está faltando ali...
“Que tipo de bar é este em que a televisão está ligada ao invés da música? Coloquem qualquer música! Pode ser um Bruno e Marrone mesmo! Os bares da literatura não eram assim!” Talvez esteja lendo de mais, ou assistindo televisão de menos. Enfim, ouviu falar que no sul dos Estados Unidos, em uma época passada, existiam cartazes que diziam: “Proibido discutir política e religião!” “Por que será que existia esta proibição tão severa?” Não que ele achasse os Estados Unidos um país onde gostaria de morar ou um exemplo de cidadania que fazia com que as pessoas se matassem por causa de tais assuntos. Só achou curioso. Lembrou da escola. Na verdade não lembrou, pois tentou se transportar para suas aulas de História ou qualquer disciplina onde pudesse discutir tais coisas, não conseguia se recordar de nada.
“Maldição!” Pensou. “Aos meus 39 anos tenho sérios problemas com álcool, jogo e relações sociais. Estou ficando cansado dessa vida de Boteco!” Não entende muito bem porque quando se sentia tão frustrado e derrotado lembrava da escola. Talvez por causa deste discurso salvacionista em que sempre envolviam a educação: “Com educação teremos tudo! Mais cidadania, mais saúde,mais distribuição de renda...” Este é um discurso tão comum que chegou a acreditar nele. Ele estudou até o fim, se formou, tudo direitinho. Ás vezes esquece em que trabalha, mas isto não vem ao caso agora. Hoje, a sua preocupação com cidadania estava se resumindo a isto: dilemas entre as cartas, o copo, o cigarro, a possível vitória do sujeito mais feio que ele, a injustiça da TV ligada ao invés da música. Cidadania de Boteco. A sua saúde esta exatamente dentro dos padrões dos demais ao seu redor e do estilo de vida que leva. Saúde de Boteco. O seu dinheiro transita entre o que recebe no seu trabalho miserável, o que paga para o dono do bar tão pobre quanto ele e aos outros jogadores como o sujeito mais feio que ele. Distribuição de renda de Boteco.
Mas, no fim destas contas, não achava sua vida totalmente ruim. A não ser que estivesse preso àqueles modelos daquela maldita TV que estava ligada ao invés da música. Muitas coisas o orgulhavam, como uma sensação de estar por fora, de se sentir vivo o suficiente para criticar todas aquelas pessoas que tinham que sustentar sua posição de sucesso na sociedade, mesmo que, às vezes, isto para ele custasse uma amargura comparável a de Jesus Cristo. Isto trouxe para ele alguns pensamentos: “Será que estou destinado a me sacrificar pela humanidade de tanto beber, fumar e jogar?” Certamente não, deu um riso solitário, como quase todos. “Mas, e se for a partir da educação esta tarefa de salvar o mundo? Como todos estes discursos reivindicam?” Certamente não acreditava nisto também, mas a idéia lhe pareceu divertida, pensar em uma educação a partir do que esta vivendo agora, nesse submundo, nesta, como disse Bukowski, “civilização que nunca viu em nenhum dos livros escolares”. Se aqueles políticos profissionais podem, e, se sabemos que estas formas de ver o mundo sempre são parciais e nunca universais, por que um alguém como ele também não pode? Pelo menos tentar. A começar, claro, pela música que está faltando ali...
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